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quinta-feira, julho 07, 2005

da europa

da europa a consciência é estranha:
talvez não saibamos nada dela enquanto
dela sabemos tudo em cada experiência
de vida. como a pátria de ulisses,

é um território onde,
entre as ruínas e algumas fidelidades contraditórias,
a alma aporta e renasce para a aventura.
os navegadores projectaram-na para além dos mares,

as artes e as técnicas, as orações e os medos, as alegrias e os lutos,
os crimes, as penitências, as substâncias do bem e do mal
impregnaram-lhe os próprios horizontes.
eu nasci numa pequena cidade do norte

num país do seu extremo ocidental.
há muitos outros países, cidades, montes, vales, planícies
e gentes que vivem mais afastadas do poente, gentes que,
para saberem do mundo, cultivam quanto a ela

uma espontânea distracção. e todavia, em toda a parte,
pelos séculos fora os homens não se pouparam ao sofrimento, enquanto
buscavam sempre a felicidade. ficavam exaustos mas
não falavam da europa que chegasse, não conseguiam

descobrir essa presença matricial
na dignidade da sua história, dos seus trabalhos e dos seus dias,
da sua paz, das suas guerras, das sombras mais profundas
de um conhecimento quantas vezes trágico.

da europa que se faz e se imperfaz
de tantas línguas, céus vários e costumes,
talvez saibamos pouco, talvez eu saiba apenas
ter consciência disso.

Vasco Graça Moura, «Laocoonte, rimas várias, andamentos graves», Quetzal Editores