Powered by Blogger

terça-feira, novembro 01, 2005

A fuga dos cérebros

Segundo conclusão de um relatório do Banco Mundial ("International Migration, Remittances and the Brain Drain"), 20% dos quadros técnicos e superiores portugueses optam por sair do país, o que coloca Portugal como recordista europeu da fuga de cérebros.
Tal foi o pretexto para uma recente crónica de Vasco Pulido Valente no Público. Nessa crónica, Vasco Pulido Valente, assertivo como sempre e com a habitual pertinência, acaba no entanto por enviesar um pouco a análise do problema. Parte ele do princípio que a formação dos tais «cérebros» foi um erro porque «já se percebeu há quase meio século que não vale a pena sobreeducar sociedades com um mercado de emprego semi-arcaico, porque as competências, sejam elas quais forem, de facto desnecessárias, desandam para onde as podem usar e, naturalmente, lhes pagam bem. (…)».
Ora, não deixando de ser interessante e até profícua tal perspectiva, porque situa a análise do lado do mercado e com isso a assenta com os pés bem no chão, a mesma não deixa de ser de algum modo incompleta.
Se partimos desta perspectiva do mercado, então deveremos antes perguntar porque motivo é que o mesmo -supostamente- não precisa dessas competências.
É que uma grande parte dos cérebros que fogem não são todos da área da Astrofísica ou da Propulsão Nuclear. Há nesse universo muita gente que tem a formação e as competências que o mercado neste momento precisa. E muita dessa gente só partiu para outros países ao fim de inúmeras tentativas frustradas para se candidatarem a determinados lugares que o mercado especificava com clareza e até alguma minudência técnica. Em outras situações, muitos outros já voltaram dos seus paraísos anglo-saxónicos tendo tornado entretanto a partir face às portas fechadas que encontraram. Outros ainda nem sequer conseguiram voltar ao seu país de origem apesar da sua inocente vontade e de após a saudade os ter tentado.
A razão principal desta situação tem sobretudo a ver com o facto de Portugal ser uma sociedade onde os valores do compadrio e apadrinhamento (no sentido antropológico do termo) serem ainda (e cada vez mais) estruturantes em toda a sua vida colectiva, ao invadidirem nos últimos 20 anos a esfera pública e profissional. Neste contexto, diga-se em abono da verdade que a classe política e as elites mais não têm feito que, dia a dia e hora a hora, afanosamente reproduzirem e legitimarem tal ordem de coisas. O mérito em Portugal pura e simplesmente não funciona! Dá-se ainda muitas vezes o caso de, quando alguém meritório atinge o desiderato merecido, isso acontecer por outra ordem de razões. Dito de outro modo, os bons sabem que em Portugal não basta ser bom; é preciso não parecê-lo!
Existe, por exemplo, um autêntico bloqueio no acesso aos lugares nas universidades e centros de investigação, sistematicamente feito aos tais "cérebros". Acresce ainda o drama de muita da formação e qualificação desses «cérebros» ser feita à custa dos impostos de todos. Os concursos públicos, quando os há, são apenas um meio de legalizarem o comércio e troca de favores e olearem as rotas do amiguismo.
E é assim que esta fuga de cérebros é apenas a manifestação de uma fuga de carácter mais vasto: não são apenas os super cérebros que partem. Nesta partida vão também os grandes os médios e os pequenos cérebros; as vontades, os dinamismos, o empreendedorismo, etc. etc.
Partem os que já desistiram de tentar ficar!
Ficam os que desistiram de partir!
É um país de desistentes!!

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Concordo plenamente. A mim acontece-me que, tendo entrado como bacharel na Função Pública e tendo-me licenciado em 1983, não me é possível ascender a técnico superior. Os recém-licenciados "meninos-do-cartão" entram para grandes lugares muito bem pagos.

9:27 da tarde, novembro 04, 2005  

Enviar um comentário

<< Home