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quinta-feira, dezembro 07, 2006

"Milando Musical"

Caro Eduardo
Sou um seu atento leitor e admirador do blogue Da Literatura. Alguma falta de tempo e também de disposição, têm-me nos últimos dias afastado dos meus blogues habituais de peregrinação.Por esse motivo só agora li o seu post "Milando Musical", relativo ao fim da Festa da Música.
Parece-me que este seu post é muito motivado pela campanha do Expresso e por algumas criaturas que por lá debitam. Mas o que é certo é que a Festa da Música também apanha por tabela.
Ao contrário de si, estou frontalmente contra o fim deste evento e considero mesmo tal decisão uma das mais reaccionárias, retrógradas e provincianas que nos últimos anos se tomaram na área da cultura. Se quisesse recorrer ao senso comum e às representações ideológicas da esquerda, diria que foi a decisão mais de direita possível.
É assim que me admiro com os seus números quando fala de "duas ou três mil pessoas d'habitude". Números desse calibre não tenho, mas tenho a experiência de 6 anos de Festa da Música com assídua presença ao longo de todos os dias. A quantidade de gente que vi, com quem conversei nas mais distintas ocasiões, desde filas para as bilheteiras (sempre no mínimo 3 horas), filas para as salas dos concertos, conversas apanhadas aqui e ali, palmas que se batem entre os andamentos, quando não a meio dos mesmos, rebuçadinhos de mentol que se abrem já o instrumentista vai no 6º compasso, criancinhas, crianças, púberes e adolescentes, são o suficiente para se perceber que aquele público não é constituído pelas pessoas d'habitude. Será povo??
Aliás, os d'habitude da Gulbenkian e do S.Carlos, nomeadamente os que assinam as temporadas, nem sequer põem os pés na Festa da Música (à parte um ou outro concerto sinfónico e/ou coral no auditório maior do CCB). São faunas diferentes, cada qual com o seu habitat específico. Ou que pelo menos gostam de sentir que não fazem na mesma árvore. Territorialidades!
Desconheço qual a fonte desses números a que faz referência, mas os únicos rigorosos que conheço são os que falam de alguns milhares de bilhetes vendidos, e que para mais demonstram que, cada vez que se subiu a fasquia, este estranho público correspondeu.
Saltitando os anos: 27.200 com Bach (em 2000 no 1º evento); 41.200 com a Música Russa (2001); 51.000 com O Barroco Italiano (2003); 62.700 com Beethoven (2005) e 48.850 com A Europa Barroca (2006).
Mas naturalmente, a Festa da Música não eram apenas as entradas registadas, mas também outras quase tantas pequenas minudências.
Por exemplo, a participação na última edição, de 357 músicos portugueses num total de 827, e de mais de 400 crianças nas suas ocorrências paralelas, para só citar dois exemplos.
A sua "fé" no que Mega Ferreira diz, porque tão taxativa e superficial, acaba por se tornar muito pouco produtiva.
Lembro-lhe apenas que se só há 400 mil euros, não é porque tenha havido uma diminuição significativa no orçamento do CCB para este ano, mas sim porque Mega Ferreira decidiu que só investiria esses tais 400 mil euros.
Se decidisse que não havia nada, também não investia nada.
E continuaria tudo a parecer muito óbvio!
Mas a única coisa que é de facto óbvia, é que Mega Ferreira quis acabar com o evento, e tomou as decisões políticas, financeiras e administrativas da sua instituição para que assim sucedesse. Aliás, o facto de aparentemente nem sequer ter tentado obter mais parcerias privadas, diz bem do carácter dessa decisão. E se atentarmos no facto de ter prescindido do protocolo que firmara com a C.M.L., que garantia à partida um apoio de 100.000 euros para cada evento, então estamos conversados.
Foi Mega Ferreira, aquando da assinatura da parceria com a edilidade lisboeta.
Seria preciso mais apoio da parte da C.M.L.? Então porque não se tentou?
Concluindo, trata-se de uma opção do CCB, mas que neste caso não é desculpável com a diminuição do orçamento.
Bem sei que este populismo orçamentativo faz hoje escola no Governo e na comunicação social e entre os opinadores generalistas. Ele serve para tudo: diz-se que não há dinheiro, e está justificado!
Mas o presidente do CCB que tenha pena e dê outra desculpa se quiser.
Por outro lado, os orçamentos das Festas da Música desde há 6 anos a esta parte foram sempre diferenciados, já para não falar dos orçamentos nas diferentes cidades onde ele também se realiza. É tudo uma questão de escala, de critérios de programação, extensão e periodicidade do evento, artistas contratados (principalmente a nível das grandes orquestras e corais), etc.
Os orçamentos de Nantes não são sequer comparáveis com os de Bilbao (para só citar 2 exemplos).
Em suma, cada cidade (Nantes, Lisboa, Bilbao e Tóquio) tem a Festa que pode, mas nem assim a dita Festa tem perdido as características que a singularizam de todos os eventos de música erudita a nível mundial.
E infelizmente, mau grado o sucesso que o anuncido Dias da Música terá, nunca susbtituirá a Festa da Música naquilo que esta tinha de único, nomeadamente a nível da captação de novos públicos.
Sabe quem disse isto?
Sim, ele mesmo, Mega Ferreira!
Mas é verdade que já lá vão uns meses.