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segunda-feira, janeiro 29, 2007

O voo da Cotovia

Tinha recebido um e-mail da Livros Cotovia onde, de entre várias novidades, aquela editora anunciava «Desmedida – Luanda, São Paulo, São Francisco e volta. Crónicas do Brasil.»
«Maravilha!» - pensei. Para além de Ruy Duarte de Carvalho, um dos meus preferidos cultores da língua Portuguesa, ainda por cima na Cotovia.
Páro aqui um pouco, para explicar melhor: a Cotovia é para mim, simplesmente, A Editora!
É a preferida. Não edita tanto como uma major, mas edita em extensíssima qualidade, tanto ao nível dos conteúdos, como das capas, de uma simplicidade e bom gosto desarmantes, e ainda do tipo de papel utilizado, fontes e mancha gráfica no seu interior.
Digo da Cotovia aquilo que o crítico e colunista John Atkinson, da Stereophile, dizia a respeito dos mais de 2000 discos da Naxos, e depois de muito porfiar a explicar porque razão todos os meses aconselhava a aquisição de discos daquela editora: - «São todos bons, comprem todos!»
Sim, porque para mim, que gosto de livros, essa paixão resulta desta conjugação feliz do conteúdo, das capas e da mancha e impressão gráfica.
(Aqui escuso-me de referir o cheiro das páginas, porque isso será já fetiche meu).
Imaginem por isso – aliás, folheiem o referido Desmedida… - e perceberão o soco que recebi no estômago.
Confesso que disto não estava à espera! Não vindo da minha Cotovia!
O Ruy é o mesmo, a sua escrita envolvente e surpreendente como sempre, de oficina, a demonstrar as possibilidades e potencialidades da nossa língua, a capa do mesmo refinado bom gosto de sempre, mas o texto impresso… Meu Deus, mas o que é que lhes terá dado ??
Sinceramente, custa-me a acreditar. É daquelas coisas que eu espero – e nem é preciso esperar muito! – de uma grande editora, com pouca identidade, mas nunca, nunca da Cotovia!
O papel passou a branco (nunca gostei dessa cor para ler, confesso!), a sua granulagem é estranhamente fina e de má qualidade, e a impressão simplesmente não faz o contraste desejado. Dá a ideia que se passarmos os dedos com algum atrito, as letras se apagam!
Corolário disto, as páginas tornam-se semitransparentes quando um pouco levantadas.
Até custa a crer!
Procurei uma explicação no final do livro, onde nas edições da Cotovia é sempre indicada a gráfica responsável pela impressão.
E… hélas!!! A Cotovia, do Bairro Alto (Rua Nova da Trindade, 24) globalizou-se. Está lá escrito, está lá tudo explicado:
Sunny Printing Group
Xangai - China
Dos livros que tenho em casa, sempre me habituei a ver a Tipografia Guerra, de Viseu, (na maior parte, e por exemplo no último que adquiri, «Os mortos enterrem seus mortos e outras histórias», de Samuel Rawet) e também a Guide - Artes Gráficas, de Odivelas (por exemplo na excelente colecção Curso Breve de literatura Brasileira).
Espero que agora não venha alguém justificar-se com a história do mau produto chinês. Sei por experiência própria, e algum conhecimento daquele canto do globo, que eles não têm só maus produtos. Têm também bons, têm muito bons e têm excelentes, ao nível do melhor que se faz no mundo. Haja para isso vontade de querer qualidade e não simplesmente pechinchas de feira da ladra.
Mas o que mais desejo – e cá vai um desejo comezinho para 2007 – é que isto tenha sido um acaso, um erro de alguém, uma experiência, sei lá, qualquer coisa que não se repita.
Senão… era uma vez uma cotovia!