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sábado, junho 02, 2007

Memória da guerra em julho

[4]
Acordas ansioso por saber das grinaldas que o sangue
abriu na noite. Enfrentas a manhã nua e devassa
como a parede branca a que se rasga a forma
de um cartaz antigo. Caíram os tapumes da confiança
e eis presente, como nunca adversa, a geografia
cada vez mais tensa.
Vês a língua de areia servida de outra luz.
A memória sumiu-se, cristalizou nos ecos.
A gestação do medo arruinou as horas.

Ensaias o andar antes sabido. Apenas expões a pele
sem que o contorno do teu velho corpo
revele indícios do que te vai por dentro. Reinventas no mundo
a implantação do vulto, lavado agora das razões seguras.
Estar vivo e acometer a claridade implica a vocação
de afeiçoar o corpo à praça imposta.
Há uma maneira apenas de enfrentar o frio.
É transportar, por dentro, o próprio frio. Não fere, a decisão,
muito para além das decisões alheias.


Ruy Duarte de Carvalho, Lavra. Poesia reunida de 1970/2000

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