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sexta-feira, setembro 14, 2007

Scolari

Faço desde já a minha declaração de interesses. Quem por aqui vai passando, sabe que sou um indefectível de Scolari. E pecado ainda maior, até aprecio aquele seu estilo bem gaúcho. E, inferno dos infernos, ainda por cima costumo achar muita graça, quando os jornalistas, que perguntadores tão inocentes que são, fazem beicinho e queixinhas sempre que o sargentão rudemente não lhes faz a vontade, e não bota o pé em cima da casca de banana por eles largada.
Cá para mim, o homem chegou à selecção nacional de futebol na altura certa, embora se pudesse ter chegado mais cedo todos tínhamos ganho muito mais. Limpou o futebol de selecção das suas capelinhas e inúmeros mandaretes, e mandou o lobby Pintista e o da comunicação social-e-comentarista, às urtigas. A primeira medida então foi exemplar e muito ajustada: Victor Baía nunca mais!! A golpada que Oliveira protagonizou em Macau (e nem estou a referir-me à reflexão futebolística feita às 3 da manhã na praia de Hac Sá!), ao retirar a baliza ao guarda-redes que estava na altura em melhor momento de forma (Ricardo) para a entregar a um guarda-redes que vinha de uma lesão, e estava parado e sem competição há muito tempo, diz bem do alforge que era a selecção nacional naquela altura. A selecção, produto de um campeonato fortemente monopolizado pelos extraordinários sucessos desportivos do F.C.Porto, foi quase sempre um espaço dominado por Pinto da Costa. E sabe-se que para este, em primeiro lugar está o Porto, em segundo está o Porto, e em terceiro e por aí fora, sempre o Porto. É claro que esse é o seu papel, mas convenhamos que os interesses de um grande clube nunca serão coincidentes com os interesses da selecção nacional. Seja o Porto ou outro qualquer. Os bastidores Pintistas da selecção, apoiados numa comunicação social que até se instalava nos mesmos hotéis que a selecção, impunha as suas escolhas à boleia da chantagem comunicacional, e só faltava dormir com os jogadores, propiciaram sempre os seus maiores insucessos: Artur Jorge, António Oliveira, Carlos Queiroz (que quis gerir e sobreviver no sistema, e acabou comido pelo mesmo), etc., etc. Já se esqueceram do célebre e vergonhoso episódio do convite-desconvite de Artur Jorge a Octávio Machado, após uns telefonemas cirúrgicos? É claro que os jogadores, sentiam sempre que a selecção de facto, não era de todos nós. Aliás, os jogadores e todo o povo em geral. O divórcio era o estado permanente. Os jogadores eram convocados ou desconvocados, e jogavam ou eram colocados no banco, de acordo com os altos interesses circunstanciais ou estratégicos, de um grande clube. Foi quase sempre assim. E quando houve uma excepção – quando Humberto Coelho é escolhido para seleccionador – mais uma vez a nação Pintista levantou-se em peso contra tal escolha e quase a casa veio abaixo (mas dessa vez sem sucesso). E Humberto Coelho levou, nessa altura (Euro 2000), a equipa de todos nós a um patamar, exibicional e desportivo (meias finais desse campeonato da Europa), onde nunca havia chegado até então (em 1984, quando Portugal atingiu também essa posição, o número de equipas era muito menor, bem como o número de jogos).
Obviamente, Scolari não é perfeito. Corre ele próprio demasiados riscos comportamentais, por via do tal «espírito guerreiro», do «mata-mata» que pretende arreigar na selecção, como sucedeu obviamente agora, na passada 4ª feira. Aliás, desse ponto de vista comportamental, faz-me sempre lembrar alguém. Esse mesmo, o tão desejado Mourinho! Curiosamente, as selecções comandadas por Scolari, têm sido absolutamente irrepreensíveis do ponto de vista disciplinar. Isto também são factos e não há nada a fazer. E este, pelo menos até este momento, é outro património legado por Scolari. Lembro que nem o gentlemen que é Humberto Coelho isso conseguiu, tendo a sua selecção de 2000 protagonizado um dos tais tristes episódios que vão pontuando o nosso futebol.
Scolari sempre me pareceu para o fraquito enquanto organizador de equipas e do ponto de vista táctico, demasiado conservador, mas ao invés, do melhor que há a nível mundial do ponto de vista da atitude competitiva, da motivação, e da identidade grupal. É por isso que, na minha opinião, Scolari tem algumas dificuldades nas fases de qualificação, e é muito bom nas fases finais das competições. Lembram-se do Brasil, que foi campeão do mundo, e das dificuldades que teve na sua qualificação?
Nunca me hei-de esquecer dos extraordinários jogos de Portugal contra a Inglaterra, tanto no Euro 2004 como no Mundial em 2006, e aquele hino à valentia, bravura e virilidade controlada que foi o embate em 2006 contra uma Holanda sem fair-play e mesmo violenta. Nesses jogos jogou-se contra a falta de sorte, contra o árbitro, contra a provocação e a violência, e sendo nós apenas 10 em parte significativa de dois desses encontros. E a tudo isso a selecção soube responder com raça e querer, num combate que soube travar no fio da navalha, em todo o rectângulo, mas sem nunca perder a cabeça do ponto de vista disciplinar. Simplesmente extraordinário!! E esta atitude, não haja dúvida que é um contributo exclusivo de Scolari. Esse tal «espírito guerreiro», não é, nem nunca foi uma característica da nossa maneira de jogar. Mas esta mudança de paradigma, como todas as mudanças deste tipo, comportamentais e culturais, levará o seu tempo, e estará sujeita sempre a mais retrocessos que sucessos, como aliás podemos constatar com as últimas amorfas e medrosas exibições da selecção.
Com a chegada de Scolari, a selecção ficou pois definitivamente protegida do lobby Pintista, e colocou os jornalistas e comentadores associados, no seu devido lugar. E com isso só teve a ganhar.
É demasiado evidente, porque é também factual, que os resultados que Scolari conseguiu até hoje no comando da selecção nacional, são os melhores de sempre. E isto quer dizer que nunca foram conseguidos por nenhum outro seleccionador até hoje. Ponto final. Os excelentes resultados de 1966 e 1984, sendo igualmente brilhantes, foram conseguidos em fases finais que eram disputadas por um número muito menor de equipas (bem como as próprias fases de qualificação, que eram com menos equipas e em que mesmo assim eram apuradas 2 selecções). Um 2º lugar num Campeonato da Europa (Euro 2004) e um 4º lugar num Campeonato do Mundo (2006) dizem tudo. Não há volta a dar-lhe. Obviamente pode-se sempre dizer, que por culpa de Scolari, Portugal não se sagrou campeão da Europa e quiçá, campeão do mundo. Mas esse é um raciocínio demasiado inovador, até para o meu próprio radicalismo. Confesso a minha incapacidade: não consigo chegar tão longe! É como dizer que tudo o que a selecção fez de bom é devido aos jogadores que tem, e o que faz de mal, é devido a Scolari. Repito, é legítimo pensar isto, mas eu não consigo chegar aí!
Não podia por isso estar em maior desacordo com o meu amigo Sérgio (vá lá, discordamos em alguma coisa!), quando diz que no Euro 2004, Portugal perdeu «duas vezes em casa com uma das mais fracas selecções europeias e mundiais». Lembro que, já na fase de qualificação a Grécia tinha obrigado a Espanha a disputar a repescagem para esta se qualificar para o campeonato. E mais tarde, durante o Euro 2004, essa mesma "fraquíssima" selecção, derrotou a República Checa (uma das principais candidatas ao título e aquela que melhor futebol, juntamente com Portugal, vinha praticando no Euro). E, crime dos crimes, afastou ainda França, a actual Vice Campeã do Mundo, e que naquela altura era ainda a campeã europeia em título.
Já relativamente à suposta obrigatoriedade de vencer, por parte das selecções quando realizam estes campeonatos em sua casa, eu pergunto há quantos anos é que uma selecção organizadora não vence um campeonato em sua casa, com todo o público a apoiá-la? E lembro que muitas delas, nem à final chegaram, como ao invés o fez Portugal em 2004. Só para relembrar os falhanços caseiros, já com mais de 20 anos (última vez que uma equipa venceu um campeonato em casa, foi a França em 1984, já lá vão 23 anos), e retrocedendo: No Euro 2000, a Holanda não venceu em casa (nem à final foi); no Euro 1996, a Inglaterra não venceu em casa (nem à final foi); no Euro 1992, a Suécia não venceu em casa (nem à final foi); no Euro 1988, a Alemanha não venceu em casa (nem à final foi); no Euro 1980, a Itália não venceu em casa (nem à final foi). E para voltarmos a assistir a uma vitória caseira, para além da única que já referi, temos de recuar a 1968. Tinha eu 6 anos! Já lá vão quase 40 anos!
Na mesma linha de raciocínio, e agora relativamente ao Mundial de 2006, não concordo também com a visão de que Portugal «hipotecou a hipótese de um resultado fora-de-série no Mundial da Alemanha com a melhor equipa de sempre». É claro que também eu fiquei com o "quase" na garganta. Mas procuro amenizar isso com algum realismo. Aos anos (pelo menos 20) que eu oiço falar da «melhor equipa de sempre». Lembram-se da nossa célebre selecção de sub-21, que foi 2 vezes campeã do mundo? Lembram-se que essa selecção, muito justamente, foi apelidada como a «geração de oiro» do futebol português? Pois bem, quando essa extraordinária selecção atingiu a maioridade, o que é que conquistou? Uma selecção com o melhor jogador do mundo – Figo – com um jogador dentro dos 5 maiores do mundo – Rui Costa -, e ainda com João Pinto, Paulo Sousa (várias vezes campeão europeu da Liga de Clubes), Victor Baía (ele mesmo), Fernando Couto (considerado durante um bom par de anos um dos melhores centrais do mundo), etc. etc., todos com idades muito semelhantes e nos píncaros da sua forma, o que é que essa selecção ganhou? Conseguiu chegar com mérito à meia-final do Euro 2000 (que perdeu com a França), mas pouco mais. Mas também borrou a pintura ao falhar algumas qualificações!
Infelizmente a história do nosso futebol é feita de enormes expectativas, mas muito menores conquistas. E sobretudo de muito irrealismo. Estamos sempre convencidos que valemos mais do que aquilo que a realidade nos vai fatalmente demonstrando. Com ou sem Scolaris. Se é um escândalo as dificuldades sentidas actualmente por Portugal no seu grupo de qualificação (a performance destes últimos 3 jogos de facto é muito, muito fraca), então que tipo de escândalo são as dificuldades que a Inglaterra está a actualmente a sentir, uma Holanda ainda empatada com uma Roménia, a França que é actualmente Vice-Campeã Mundial, a Itália actual Campeã Mundial, etc., etc. (e curiosamente, a Grécia já lá está a comandar o seu grupo de qualificação)?? Pior, dá-se o caso de essas dificuldades de algumas das outras grandes selecções mundiais (porventura melhores que a nossa, mas seguramente com mais conquistas que a nossa), serem até com selecções que nem às últimas fases finais foram (o que não é o caso nem da Polónia, nem da Sérvia, do nosso grupo). Por exemplo, na jornada em que Portugal empatou com a Sérvia, a França, actual Vice-Campeã do Mundo, perdeu em casa (imagine-se!) com a Escócia, que não se qualifica para uma fase final há já não sei quantos anos. Nós seremos melhores que a França? Talvez, mas não é isso que a realidade vem demonstrando.
Tudo isto para dizer que gostei de ver a atitude de Scolari? Obviamente que não. Mas apenas para situar devidamente, moderadamente, o contributo enorme que Scolari tem dado à selecção. É que finalmente, desde 1966 (dizem-me os mais velhos), a selecção voltou de facto a ser a «selecção de todos nós». Quem é que trouxe para a selecção este espírito novo, este público novo, as mulheres, as raparigas, as crianças, as famílias, e de uma panada tirou toda a importância ao machão luso, que sabe sempre tudo, e tem sempre, cobardemente o seu lencinho branco guardado no bolso, para à primeira oportunidade e ao primeiro fracasso, desistir de sofrer, e mandar um treinador embora? Tudo isso foi Scolari que conseguiu. Este novo público, «ignorante» do futebol, que tem as suas simpatias mas não sofre de clubite aguda, sobretudo feminino, está-se simplesmente borrifando para os meandros e bastidores do mesmo, é mais compreensivo, sabe sofrer com a equipa e não regateia o seu apoio quando as coisas correm menos bem e, sobretudo relembrou-nos a todos, homens da bola, que o futebol é para ser uma festa.
Agora um novo ciclo se prepara. E a comunicação social, já a reboque da rebaldaria que se avizinha, vem repetindo até à exaustão, até que tal se converta em verdade, que o público se está a divorciar de Scolari e da selecção. Aqueles 50 mil em Alvalade e ainda mais na Luz, devem ter sido ilusão minha!
É pois aproveitar enquanto dura, pois o assalto Pintista à Federação Portuguesa de Futebol está também já em curso, e se assim for e o conseguir, o próximo seleccionador roubará novamente a selecção a todos os portugueses. Inclusive à malta do Norte que tão bem tem sabido separar o terreno. A matilha de alguns treinadores portugueses já se movimenta na sombra, bicos de pés e dedinhos no ar, para que sejam vistos pelo novo poder que vai tentar emergir. Cheira-lhes a sangue e a animal ferido.

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2 Comments:

Blogger Sérgio de Almeida Correia said...

Equilibrado? Talvez..., mas eu tenho o mesmo apreço pelo Scolari que tenho pelo Pinto da Costa. Nem um nem outro.

P.S. O Vieira também foi ilibado no caso Mantorras, mas isso não me faz apoiá-lo!

4:46 da tarde, setembro 14, 2007  
Anonymous Anónimo said...

Não percebo nada de futebol. Percebo de memórias. Memórias de ver orgulhos enrolados em bandeiras e hinos. Orgulhos recuperados das sombras de antigamentes e de complexos de revoluções. Orgulhos de sucessos em relvados de um punhado de homens, cujo mérito em nada retira o de quem os conduziu a uma emocionante final do Euro 2004. Depois, foi o sonho repetido nas vitórias do Mundial. Mas ele há memórias e memórias. Ele há Homens e homens. E os que não se contentam com justos castigos por actos condenáveis. Os que pedem, mais do que cabeças, a corrosão de memórias. Ainda bem que não percebo nada de futebol!

2:38 da tarde, setembro 19, 2007  

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