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quarta-feira, março 21, 2007

O Sinal

Uma das últimas vezes que por aqui me referi sobre a temática da educação, disse, a propósito da diarreia legislativa dos ME’s dos últimos 30 anos, «equipem as escolas com materiais de qualidade, boas bibliotecas, audio-visuais e multimédia, computadores que consigam correr o xp, dêem-lhes calor para o Inverno, tornem-nas, em suma, lugares bonitos, organizados, disciplinados e aprazíveis ao estudo…».
Imaginam já então ao que venho.
É que o Engº Sócrates fez-me a vontade e anunciou o Programa de Modernização das Escolas Secundárias.
É muito bem feito para mim, que é para não andar sempre desconfiado contra o governo!
Mas confesso que se este anúncio tivesse sido feito no início da sua actividade, há 2 anos atrás, teria dado pulos de alegria.
Mas, 2 anos passados, só mesmo os crentes é que não desconfiam sempre que este governo procede a algum anúncio.
Mas mesmo assim, é bom dar o benefício da dúvida, até para se poder elogiar quando seja o caso.
Como d’habitude, a comunicação social, RTP à cabeça, procedeu com rejubilo ao anúncio de mais um programa governamental. Houve até quem desse disfarçados pulinhos na cadeira enquanto lia a notícia.
Mas se tivessem querido exercer o seu ofício, o de jornalistas que julgam que ainda o são, tinham pelo menos ido ler a documentação oficial.
Foi o que fiz.
O 1º ministro anunciou um programa de cerca de 1.000 milhões de euros – número impressionante, sem dúvida – e chamou-lhe um "verdadeiro investimento estratégico para qualquer país que queira olhar para o futuro". E disse ainda que o mesmo iria abarcar 332 escolas e prolongar-se até ao ano 2015.
São 9 anos portanto. Apenas!!
Pois bem, lida a Resolução do Conselho de Ministros n.º 1/2007 e o seu anexo, ficamos a saber que este programa é uma mão cheia de nada.
A elaboração do mesmo foi alicerçada num trabalho realizado por uma comissão criada pelo Despacho n.º 7503/2006, de 4 de Abril, da Ministra da Educação.
Ainda segundo essa Resolução do Conselho de Ministros n.º 1/2007, o trabalho deste grupo visava «proceder à realização de um diagnóstico sobre o estado de conservação e condições de funcionamento das instalações escolares destinadas ao ensino secundário de Lisboa e Porto, tendo em vista a elaboração de um programa integrado de modernização das mesmas» (o bold é meu e perceberão já porquê).
Lido isto na referida Resolução 1/2007, tratei então de consultar e analisar o tal Despacho nº7503/2006.
E cá está, apanha-se mais depressa um mentiroso que um coxo!
É que o texto do Despacho nº7503/2006 fixava, ao invés, como objectivo deste grupo de trabalho o «de proceder à realização de um estudo abrangente sobre o estado de conservação e condições actuais de funcionamento dos estabelecimentos escolares do ensino secundário e elaborar o competente diagnóstico, tendo em vista a elaboração de um programa integrado de modernização das escolas do ensino secundário».
É assim que esconderam o gato mas esqueceram-se do rabo: aquilo que inicialmente (Despacho nº7503/2006) abarcava todas as escolas do território nacional, foi cirúrgica e distraidamente convertido (Resolução 1/2007) nas escolas de Lisboa e Porto.
Temos pois que é anunciado um Programa de âmbito nacional sobre um levantamento realizado exclusivamente nas escolas de Lisboa e Porto.
Deve ser destas e de outras que nasceu a célebre ideia de que o resto do país é paisagem.
Com indígenas, é certo, mas mesmo assim paisagem.
Não me perguntem de onde veio então este número das 332 escolas, pois o texto nisso é omisso.
Mas como haveria de ser de outro modo, se na referida Resolução do Conselho de Ministros também se diz que se irá proceder ao «levantamento da situação existente no restante parque escolar, no que se refere a capacidade, condição física e funcional, de forma a programar as correspondentes intervenções, com início do ano lectivo de 2010-2011» (bold meu mais uma vez)?
Mas então já se sabe que são 332 escolas e que custará 940 milhões de euros (este é o número do Portal do Governo) e afinal ainda vão fazer este levantamento?
Mas pronto! Depreendo que o 332, se não é o número da lotaria, então será o número total das escolas secundárias do país. Sempre é um número maior, bonito, que impressionará mais.
Se nesse número também se incluem as mais recentíssimas escolas, recém inauguradas, e que também precisarão de ser intervencionadas então…, bem, não liguem, que deve ser só má vontade minha!!
Mas, caramba, mesmo sem o levantamento a nível nacional ainda feito, posso até dar de barato esse número 332 como correspondendo então à totalidade das escolas abrangidas.
É que, também lá está escrito no Programa, o que é que vai ser feito até ao início do ano lectivo 2008-2009 (leia-se Setembro de 2008). Diz assim, no seu ponto 1, Parte III: «Concretização de quatro intervenções piloto em Lisboa e Porto.»
Está lá, preto no branco!
Bom, mas se a acção deste governo se estenderá por apenas mais 2 anos, então este programa para o ME resume-se apenas a obras em 4 escolas!!!
Repito, 4 escolas!!
Se o assunto não fosse tão sério tinha-me atirado para o chão a rir (mas é verdade, confesso, mesmo assim fi-lo: é que não resisto a uma boa piada!).
Temos portanto que de Março 2007 a Setembro 2008 (1 ano e meio ou 18 meses), o governo se compromete a executar 1,2% do programa!
1,2% do programa em mais de 10% do tempo de execução do mesmo!
Por muito menos se anunciam funcionários públicos para o quadro da mobilidade!
Caramba, a esta velocidade toda, é óbvio que ainda se despistam!
Deve ser por isso que o Primeiro-Ministro e a Ministra da Educação lhe chamaram uma experiência-…piloto!!
E o governo que vier a seguir – coincidência certamente o facto de a vigência deste governo estar a terminar por aquela altura – que execute os restantes 98,8%.
Good luck!!
Mas podem os portugueses ficar descansados, que este mesmo programa será anunciado mais vezes, de várias formas e feitios. Aliás, se estivermos atentos, vemos que o programa foi anunciado agora, no mês de Março, mas que desde já se diz que o início da intervenção nas escolas escolhidas se fará apenas em Julho. Oportunidades não faltarão.
O coitado do Américo Tomaz é que deve andar às voltas no túmulo!
Disse ainda o Primeiro-Ministro, a quando do cerimonial de lançamento do Programa de Modernização do Parque Escolar Destinado ao Ensino Secundário (designação completa deste projecto): «Queremos dar um sinal político claro aos professores e aos alunos de que esta é a nossa prioridade».
Ok, sinalizado já está!