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quarta-feira, março 28, 2007

Salazar, o salvador da pátria

Os Grandes Portugueses vale o que vale. É um concurso, apenas um programa de entretenimento, filho da nova televisão, da televisão dos novos tempos, o que por isso até nem é coisa que se recomende.
Os defensores fizeram o seu papel, mas a imagem estereotipada, em pares de opostos, que o concurso queria dar de cada personalidade, acabava provavelmente por falar mais alto.
Foi coisa que só acompanhei muito à distância, pois o único programa que vi (e mesmo assim apenas uma pequena parte), foi exactamente o último.
E sinceramente, a vitória de Oliveira Salazar não me admira nada, mas não exactamente porque estivesse à espera de militâncias votantes.
Aliás, e se este foi um factor que explica em parte o resultado final, não me parece que tenha sido de todo o mais importante. Se assim fosse, teria sido Álvaro Cunhal o vencedor. O PCP ainda é uma organização absolutamente inultrapassável em termos de militância e disciplina.
Creio sinceramente que grande parte das pessoas que votaram em Salazar, que o fizeram não propriamente a favor da personagem, ou do regime que representa, mas contra terceiros. Contra alguém.
Mas também não me parece que tenha sido especificamente contra este governo ou o Engº Sócrates, como alguns oportunamente se apressaram a dizer.
Não!
Para mim terá sido uma votação contra a partidocracia vigente: contra os políticos que enriquecem tão depressa; contra os interesses dos lobbys; contra o assalto ao Estado pelos grandes partidos do poder dos últimos 30 anos; contra a corrupção, o tráfico de influências e o amiguismo; contra a falta de autoridade do Estado; contra a falta de segurança; contra um sistema de ensino que só facilita e pouco ensina; contra as corporações privadas que cada vez têm mais força e exploram o consumidor nas barbas de um Estado que assobia para o ar...
Enfim, deu para tudo!
Salazar é uma figura que hoje só vive de estereótipos. E o estereótipo tem a força que têm todos os símbolos. A sua força é dada pela sua simplificação abusiva. Salazar representa para este efeito alguém que, mesmo condenado pela História por tudo aquilo que personifica, também representa o político que fugiu sempre das luzes da ribalta – ao contrário do caudilho e seu vizinho Franco -, e que sobretudo, em décadas de exercício de poder, morreu com as mesmas propriedades que tinha em 1926. Que não enriqueceu, que não se corrompeu, e que foi igual a si próprio do princípio ao fim da sua vida. Obviamente que o grande corruptor de Salazar foi o exercício do próprio Poder, mas isso são já contas da condição humana.
Hoje fala-se muito de coerência, da discrição, da humildade, do valor da palavra dada, porque esses são os items mais escassos na economia actual dos valores.
Mal ou bem, certo ou errado, com maior ou menor correspondência com a realidade, é isso que ele representa para muitos, ou aliás, que muitos precisam urgentemente que ele represente.
O símbolo «Salazar», no contexto deste concurso, tinha ainda uma outra vantagem: era a personagem mais malquista, em que até a própria RTP no início do concurso, quis desde logo pôr fora de jogo. E era ainda a personalidade que todo o status político-partidário não queria que ganhasse.
Também fiz a minha mini sondagem, e constato que a generalidade dos meus colegas, conhecidos e amigos – votantes em todo o espectro político da AR, inclusive no BE – estão geralmente bastante satisfeitos com o resultado da votação, ou no mínimo com uma irreprimível vontade de gozo.
E quanto mais vêm uns a desvalorizar tardiamente o concurso, e outros a limparem as unhas como se o recado não fosse também para eles, mais e melhor se riem ainda.

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