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sexta-feira, junho 15, 2007

Um SIADAP para amigos

No âmbito da discussão sobre o futuro sistema de vínculos, carreiras e remunerações na função pública, o Governo pretende fixar um novo sistema de progressão, assente na avaliação de desempenho dos trabalhadores. Os funcionários públicos "excelentes" precisarão assim de dois anos para mudar de nível remuneratório, enquanto os que tenham apenas "desempenho relevante" ou "desempenho adequado" terão de esperar três e cinco anos para progredirem. Especificando a aplicabilidade, o Governo apresentou uma proposta, garantindo a progressão na carreira já em 2008 aos funcionários que tenham obtido nota máxima em 2006 e 2007.
Até aqui tudo bem. Quem não quer uma avaliação de mérito e um sistema de prémios monetários pelo desempenho?
Só que esta medida –aparentemente tão meritória – é exactamente o que a administração pública não precisaria neste momento.
Passo a explicar em algumas linhas:
#1 - Antes de mais uma novidade: o novo sistema de avaliação da administração pública, vulgarmente conhecido por SIADAP (Sistema Integrado de Gestão e Avaliação de Desempenho da Administração Pública), não é de facto novo, pois foi instituído e implementado ainda durante o governo de Durão Barroso (2004);
#2 - Esse sistema de avaliação foi nessa altura imposto a uma realidade que não estava de todo preparada para tal, e em simultâneo aos mais de 500.000 funcionários e centenas de serviços públicos;
#3 - Como resultado, no seu 1º ano de aplicação, apenas 8% daqueles serviços tinham implementado o SIADAP, e mesmo esses de um modo muito deficiente;
#4 - E em 2005 e 2006, o ainda bebé sofria já das mais variadas enfermidades, próprias de um velhinho de 80 anos com doença terminal;
#5 - Ou seja, decorridos apenas 3 anos, o fracasso do SIADAP já era por demais evidente;
#6 - Havia pois que resolver o problema, do mesmo modo que se resolve tudo neste país: atirando-lhe para cima com mais legislação, e dizendo para a maralha distraída, que agora é que é, que o SIADAP é uma novidade, e até foi descoberto agora pelos novos génios da governação;
#7 - Aparece assim este novo SIADAP agora em discussão (e que afinal é apenas um ligeiro retoque do primeiro), como se o SIADAP SOCIALISTA viesse resolver aquilo que não resolveu o SIADAP SOCIAL-DEMOCRATA;
#8 - O SIADAP é um sistema de avaliação complexo, que implica um novo sistema de gestão, de alto a baixo em todas as organizações públicas, e em toda a sua estrutura hierárquica, e a dos níveis micro e macro de operacionalidade;
#9 - Para se entender até que ponto os nossos governos (PSD e PS) estão tão preocupados com a avaliação na administração pública, até hoje foram devidamente formados neste novo paradigma da gestão (velho em outros países), apenas uma parte muito ínfima dos dirigentes e quadros superiores da administração pública, e mesmo esses apenas porque se tem recorrido a fundos comunitários (POAP) para tal;
#10 - Como corolário disso, estamos numa situação em que a grande maioria dos dirigentes superiores e intermédios, e quadro superiores, simplesmente não receberam a formação básica adequada, e não sabem o que é que andam a fazer;
#11 - O SIADAP implica que a avaliação de cada funcionário seja feita de acordo com critérios muito objectivos, mensuráveis e quantificáveis, isto é, implica a existência de uma série de métricas de avaliação, gestão e acompanhamento de tarefas, e a uma grande panóplia de indicadores de gestão, a todos os níveis de toda a organização, medindo e rastreando a sua actividade: como é óbvio, não estamos aqui a falar das organizações públicas de Portugal;
#12 - No SIADAP (que entrou em vigor em 2004 e está ainda em vigor), as classificações de "Muito Bom" e "Excelente", é que permitem uma mais rápida progressão na carreira;
#13 - Mas independentemente do nível de desempenho conseguido, muitos poucos podem alcançar estas classificações, uma vez que as mesmas estão sujeitas a quotas muito apertadas (5%);
#14 - Como o SIADAP não consegue avaliar objectivamente o mérito de ninguém, pelas razões enunciadas, que critério é que acham que foi até hoje o habitualmente utilizado? O mesmo de sempre, é claro!
#15 - O resultado dos anos 2004, 2005 e 2006 está aí para o demonstrar;
#16 - E nem é preciso ser-se economista, para se saber o que acontece, quando um determinado bem é muito escasso…
#17 - Agora, o novo SIADAP (o SOCIALISTA), vem juntar à progressão na carreira, uma outra cenoura: o prémio monetário;
#18 - Com esta nova medida, o bem passará a ser ainda mais valioso, incrementando uma pressão enorme sobre um sistema, que por melhores princípios que tenha (e tem), precisava de tempo para se impor, e que por esta mesma razão se vai, pelo contrário, continuar a deturpar-se e descredibilizar-se, e não vai conseguir impor-se de todo;
#19 - Se para uma mais rápida progressão na carreira, alguns amigos já davam os 2 braços e 1 perna para serem os felizes contemplados, imagine-se o que não estarão dispostos a dar para acederem a este novo euromilhões…
#20 - Isto é, se a corrida por lugares intermédios e superiores de chefia, assessorias, etc., já é a pouca vergonha que é desde há longuíssimos anos a esta parte, por virtude da sua superior remuneração, imaginem então o que vai agora suceder a estes novos lugares (os das boas avaliações), criados desde 2004 e agora monetariamente reforçados….
#21 - Este prémio monetário passará assim a ser um prémio de consolação para todos os amigos que não conseguiram que se lhe arranjasse um tacho.
Não tenho dúvidas que o SIADAP servirá para avaliar, e que dará um ar do seu superior rigor, ao apenas atribuir 5% de avaliações de nível superior. Aliás, é mesmo para estas superficialidades e parangonas que os nossos políticos governam. Agora o que é óbvio, é que o SIADAP não vai avaliar o mérito de ninguém. Ou então, o ex-engº Sócrates, o Ministro das Finanças, e o Secretário de Estado João Figueiredo, referem-se a outro tipo de méritos. E lá se vão os créditos para os bolsos dos mesmos.

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2 Comments:

Blogger Guimaraes said...

Se, no início de um exame, dissessemos aos alunos que, independentemente de terem tudo certo, somente 25% poderia ter mais de 16, que nos chamariam?
VIGARISTA! Claro...
O SIADAP, tentando copiar para uma empresa de serviços (Administração Pública) um modelo de avaliação desenhado para empresas de produção, só poderia resultar no que resultou: Um disparate!
Quais os objectivos de um funcionário (agora diz-se "colaborador") da manutenção de um hospital? Colocar mais 20 lâmpadas que no ano passado? E se não forem necessárias?
Depois temos a transparência de avaliação.
Os gestores não estão no lugar por mérito avaliado com isenção, mas por obediência partidária. Uma parte não faz ideia do funcionamento do serviço onde está e muitos nunca trabalharam.
Como é que essa gente vai avaliar os subordinados? Certamente por subserviência. Onde está o valor da isenção e da competência na Administração?
Neste contexto, somos levados a desconfiar que os 25% de "Muito Bom" e "Excelente", se destinam aos portadores de cartão partidário adequado (não interessa muito se PS, se PSD...).

6:06 da tarde, junho 16, 2007  
Anonymous Anónimo said...

Até que enfim que vejo algo sobre a pouca vergonha que se está a passar.
Brevemente, espero apresentar aqui um «case-study» de uma autarquia onde, contando com a "ignorância" e desinformação dos trabalhadores, se cometeram verdadeiros atropelos à lei, em prol do SIADAP 2006,
só a título de exemplo: certos trabalhadores foram comunicados objectivos relativos a 2006, em Fevereiro de 2007!! Muito a tempo! Quanto a indicadores de medida....ninguém falou sobre isso...não é importante. A auto-avaliação não foi obrigatória, afinal "tal" como a lei diz...enfim...
O ambiente é pesado,a pressão existe embora não seja explicíta, os trabalhadores têm receio e não falam...não vá acontecer o mesmo que ao Charrua.
Os sindicatos estão alheios a isto. Ainda não vi nenhum vir a terreiro falar sobre estas irregularidades que vão prejudicar fraudulentamente os trabalhadores.Não há nada como serem divulgados alguns casos práticos...
Até breve!

11:19 da tarde, junho 21, 2007  

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