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domingo, abril 30, 2006

Insubstituível


“Sophia de Mello Breyner, Jorge de Sena – Correspondência”, são as cartas que os dois escritores trocaram de 1959, quando Sena partiu para o exílio, a 1978, data da sua morte.
Quando as almas não são pequenas....
E ainda por cima com excelente edição desta novíssima Guerra & Paz (apesar disso, € 20 parecem-nos demais!)

Privilegiados

A ler, integralmente, Rui Tavares, no Público de sábado 29:
"Um dos aspectos mais proeminentes do discurso político contemporâneo é que as castas dominantes –gestores e economistas de topo, membros de conselhos de administração, banqueiros, capitalistas e porta-vozes de associações industriais, marqueteiros e gestores de imagem, líderes de directórios partidários, governantes, colunistas ou editorialistas-, que não perfazem juntas mais do que um por cento da população, têm por hábito chamar privilegiados à maior parte dos restantes 99 por cento."

"Mas um banqueiro como Fernando Ulrich, que tem poucas oportunidades de ficar desempregado, sugere que se liberalize o despedimento em Portugal – a benefício, supostamente, dos desempregados. Folheando as secções de economia dos jornais, facilmente encontramos senhores (e mais raramente senhoras) que podem determinar o valor das suas pensões ou aumentar-se legalmente a si mesmos, mas que acusam o cidadão comum de, com os seus privilégios, colocar em risco a sobrevivência de Portugal."

sábado, abril 29, 2006

Festa da Música

Tarde e a quase más horas, bem sei.
Mas cá vai um pequeno report sobre a minha Festa da Música, do passado fim de semana.
Este ano decidi investir nas oratórias: Saul (3º acto), Salomão e Messias. E continuar, dentro da voz, com o Ricercar Consort e Carlos Mena, os Tallis Scholars e La Venexiana.
Destaco, para a minha memória, o concerto do Ricercar Consort, com um Carlos Mena sublime mas interferência irritante dos cof-cof’s da assistência, que se lembra toda ela de tossir em uníssono. Também era escusado o contraponto polifónico de 2 toques de telemóveis…Enfim!
Gostei do Salomão, muito embora tivesse achado os solistas uns furitos abaixo do coro e da orquestra.
No Domingo, dia 23, assisti a solistas bem melhores na Morte de Saul e a um Messias com um coro em excelente plano.
Mas para o fim, estava guardado, quanto a mim, o melhor da Festa (da minha Festa, obviamente): La Venexiana, com momentos sublimes, etéreos, e a "sugarem-nos" autenticamente para o palco. Melhor ainda que em disco (onde já são aquilo que todos sabem!).

quarta-feira, abril 19, 2006

Menina e Moça

«Ela não esqueceu nunca o tempo em que era uma camponesinha descarada que dançava debaixo de aveleiras em flor. Ri facilmente e, ao menor pretexto, tira os sapatos, prende as saias com a mão, parte outra vez ao encontro da sua natureza que aceita mal a convenção e os arrebiques. Tem o latim por pai, é certo, mas um pai com barba vagabunda, alheio à higiene e às declinações. Herdou das mouras uma certa languidez, essa demora no olhar que indica a predisposição para o descuido nos pormenores mais práticos da vida. Atravessou-a o espírito dos Celtas. Está visto que haveria de nascer versejante e com algum defeito de maneiras. Creio eu que, como em todas as moçoilas, lhe resulta o desleixo em sedução.

Não se ajeita a discursos, a não ser que pisque o olho e sopre malandrice, sermoneando ao peixe em vez de ao homem, para que o homem se sinta mas não possa acusar o envio da censura. Mesmo no grande épico lusíada, vemos Camões a rir daquele marinheiro, Veloso de seu nome, que desceu em muito menos tempo do que o tinha subido um outeiro que escondia nativos assanhados. Por efeitos de história e crescimento, civilizou-se um pouco, entrou na corte, fez vénia às muitas modas chegadas do estrangeiro. Viu-se que sufocava no espartilho e que as anemias literárias, se vão bem com a frágil compleição das inglesas, só conseguem, à nossa, encardir-lhe as feições.

Grandes amores teve ela com Mestre Gil Vicente e foi esse um enlace sem igual na duração e na intensidade, e, mais, em nunca um do outro se enjoarem, antes encherem de apalpões e viço as deprimidas salas palacianas. Mesmo nas ligações com gente lacrimosa, como era o caso de Camilo Castelo Branco, lhe escapa muita vez o estilo ao romantismo para retornar à mão na anca e à chacota. Se eu quisesse ser má, avançaria que não é ilusão das sombras este buço que vemos encimar-lhe o lábio superior. Tem uma exuberância de corpo que não leva ao feminismo porque não precisa de ver filosofada a sua força. Há nela aquela espécie de ardor matriarcal que fez com que as melhores das nossas heroínas fossem bastante mais impiedosas do que qualquer guerreiro experimentado.

Quando sofre, porém, sofre com convicção, seguindo o sofrimento em todos os preceitos, o do choro, o do grito, o do lamento, tudo para ser ouvido a cinco léguas, suplicando o consolo da vizinhança. O bem que há neste mal é que ele se exprime e que, para se tornar concreto e transmissível, toma a forma do canto ou do poema, provando-se útil e de muito agrado. Pouco a interessariam elegância e frialdade de comportamento, que, não dando nas vistas, para si mesmas acabam por tornar-se inexistentes. O pranto que ela faz quando a desamam foi, parece, a origem do próprio rio Mondego. A origem do fado, já se sabe, está seguramente no trajecto que entre o peito e as lágrimas obriga o desgosto a passar pela garganta, sendo que o repuxão final no xaile nos alerta para grandes reservas reactivas. Conseguiu, como poucos o conseguem, ter harmonicamente em si feitios contrários, o da braveza e o da melancolia, o da mulher da rua e o da menina que se oculta por trás da cassa da janela.

Saiu para além do mar com os marinheiros, mas não entendeu nada do Império. O que quis foi dançar e misturar-se. Enquanto eles degolavam e ofendiam, ela deitou-se na frescura das palhotas e gerou promissoras combinações da espécie. Enquanto a missa e a lei teimavam no latim, ela, a menina do descaramento, espalhava as filhas pelo mundo fora, numa alegre e opulenta sementeira. Abriu os braços a fonemas e a deuses que eram até então estrangeiros e hostis mas nela se deixaram docemente fundir.

Enquanto a nobreza degenera, por secagem do sangue e doçarias, a nossa mocetona continua trocando afecto em terras de África e Brasil, tomando e oferecendo, e outro não é o segredo da sua juventude. Menininha que eu vi nas mãos do Mia Couto, a rir da brincadeira que era uma flor rodando pelos ares abaixo. Menininha que disse estar bem e estar feliz. »

Hélia Correia

segunda-feira, abril 17, 2006

1506 – 2006: Nem só de vitórias vive a Pátria!

sexta-feira, abril 14, 2006

Judas

Judas já não é o que era?? Após 1700 anos de paradeiro desconhecido, o Evangelho de Judas foi restaurado, autenticado e traduzido, sendo considerado por alguns como a mais importante descoberta arqueológica nos últimos 60 anos. Texto disponível em PDF. Aqui, no National Geographic News.

quarta-feira, abril 05, 2006

PRACE (2)

Marketing e propaganda têm destas coisas. No Portal do Governo, estão disponíveis 4 PDF’s sobre o PRACE:
# Modelo de Reestruturação da Administração Central do Estado (21 páginas, 235 KB)
# Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado – Apresentação (7 páginas, 172 KB)
# Nova Organização dos Ministérios (16 páginas, 474 KB)
# Desconcentração e Descentralização (16 páginas, 249 KB)
No entanto, desaparecida anda a versão integral do mesmo: são 200 páginas, cheias de sumo, e que clarificariam de vez algumas dúvidas que andam pelo ar sobre as intenções do governo.
Quando é que pensam publicitá-las?

As casas

As casas habitadas são belas
se parecem ainda uma casa vazia
sem a pretensão de ocupá-las
tornam-se ténues disposições
os sinais da nossa presença:
um livro
a roupa que chegou da lavandaria
por arrumar em cima da cama
o modo como toda a tarde a luz foi
entregue ao seu silêncio

Em certos dias, nem sabemos porquê
sentimo-nos estranhamente perto
daquelas coisas que buscamos muito
e continuam, no entanto, perdidas
dentro da nossa casa

José Tolentino Mendonça

Fama e Segredo

Vale a pena celebrar o lançamento por uma novíssima editora, Guerra & Paz, do livro de Agustina Bessa-Luís, Fama e Segredo da História de Portugal, na blogosfera.
A pré-publicação iniciou-se hoje, e decorrerá diariamente, até 2ª, dia 10, com a publicação pelo Abrupto de excertos de uma das 12 histórias da “Fama e Segredo”.

terça-feira, abril 04, 2006

PRACE (1)

No final da passada semana foi aprovado o PRACE – Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado. Com esta medida desaparecerão mais de 240 organismos públicos (entre Serviços Centrais, Serviços Desconcentrados, Órgãos consultivos, etc.), e as leis orgânicas dos ministérios serão todas revistas, no sentido de uma maior simplificação, optimização e uniformização.
Como sempre, o maior inimigo de qualquer reforma na administração pública são os «instalados». Que neste caso são naturalmente do mesmo partido do governo. No passado dia 30 de Março, 1 hora antes da aprovação do PRACE, e da imediata publicitação no site da Presidência do Conselho de Ministros do respectivo comunicado, havia ainda muitos Directores-Gerais, Presidentes de Institutos, Secretários de Estado, etc., que ainda se afadigavam para evitar danos maiores. Outros inclusivé ainda julgavam que tudo estava em negociação no remanso dos gabinetes. Em vão! O rolo compressor de Sócrates estava em movimento e antecipou em 2 semanas a aprovação do PRACE (que estava originariamente prevista para 15 de Abril), exactamente como forma de evitar a reacção da nomenclatura dirigente. Ou deixá-la descansada com uma falsa dead-line.
No entanto, perdida a primeira batalha, O Organismo não desiste. Persiste! Neste momento o seu objectivo são as leis orgânicas mais pequenas, dos Serviços Públicos mais directamente afectados por esta reestruturação. A azáfama nos corredores é grande, e os telemóveis não param. É que o PRACE, para além de afectar directamente cerca de 75.000 funcionários públicos (assunto menor), vem também afectar dezenas de cargos dirigentes (questão melindrosa e de interesse nacional!!). Neste momento já se negoceiam algumas originalidades orgânicas: prevê-se que cargos de Sub Director-Geral, Vice-Presidente, Sub Secretário-Geral, etc., apareçam qual apêndices naqueles organismos públicos que assimilarão outros. Será o milagre da multiplicação dos cargos! É que o polvo tem esta indómita capacidade de multiplicar e mexer persistentemente as pernas, e assim não permitir que lhas contem.
E é agora que a porca torce o rabo!
O PRACE está bem feito, bem pensado e fundado em metodologias de análise consistentes. Quem diga o contrário tem apenas inveja de não ter feito igual! Mas, diga-se em abono da verdade, que coisas deste calibre intelectual, já todos os governos fizeram, em alguma altura e em alguma área da governação!
Onde a coisa começa a ser difícil é a partir de agora: na fase de implementação e operacionalização, exactamente no "sítio" onde as outras grandes reformas pós 25 de Abril claudicaram.
É que O Organismo tem como património seu, muitos anos de evolução adaptativa, e reconhece à distância o seu agressor. Os seus anticorpos são eficazes, e em última fase, a sua estrutura molecular mimetiza a dos seus agressores. E sabe por experiência, que um agressor sem inimigo à vista, torna-se com o passar do tempo absolutamente inóquo.